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Aline Gomes: a trajetória vencedora de uma das principais atletas de Peruíbe

  • Kelvyn Henrique
  • 23 de jun. de 2018
  • 6 min de leitura

Lutando nos tatames e na vida, Aline ensina que mesmo após a adversidade, é possível continuar buscando seus sonhos e continua a inspirar novas gerações de atletas

Era uma noite tranquila como tantas outras na vida de Aline Gomes (na época com 20 anos), no ano de 2003. Montada na garupa da moto do namorado, a jovem ia de Peruíbe, onde mora, para a cidade vizinha de Itariri. Às 21h30 a estrada estava calma. Tudo seguia bem.

Batida! Em questão de instantes, Aline teve a perna prensada na porta do carro que a atingiu, foi levantada no ar e arrastada por cerca de dez metros, na contramão. Resultado: fêmur quebrado, uma cirurgia, placa de 22 cm, dez parafusos para fixá-la ao osso, 40 dias de cama em casa, dois meses de cadeira de rodas e quatro meses usando muletas.

Enfrentar uma situação dessas não seria fácil, mas Aline, 35 anos, é uma lutadora, não só na vida, mas também nos tatames. Faixa preta de 3º Dan (graduação) de karatê, ela compete desde a infância e isso tornou mais dolorosa à notícia de que, segundo o médico na época, levaria 12 meses para se recuperar e que talvez não voltasse a competir. Seguindo um dos lemas do esporte: “Karate-Do, quem pratica sabe a força que tem!”, a atleta não se deu por vencida e surpreendendo as expectativas médicas, em nove meses se recuperou, competiu e foi campeã em kumite (luta).

Trajetória no esporte

Começou no karatê aos 9 anos, como uma brincadeira, ao acompanhar amigas que treinavam. Seu primeiro treino foi com um faixa marrom chamado Walter, num sábado, e já na terça-feira, passou a treinar com o faixa preta Carlos Anunciação de Jesus (atualmente Mestre de 6° Dan e presidente da Associação Shinshukan de Karatê de Peruíbe).

A primeira competição de Aline foi em Pedro de Toledo, em 1993, quando tinha apenas 10 anos. Ficou com o 3° lugar em kumite. Na ocasião, a atleta se emocionou com a conquista. “Eu tinha um amigo, que infelizmente já faleceu, que também treinava e quando comecei a chorar ele perguntou 'por que você tá chorando?”. Eu respondi 'você pensa que é fácil, é?!’ e toda vez que eu o encontrava, mesmo anos depois, ele brincava falando 'você pensa que é fácil, é?’”, lembra.

A partir daí, Aline começou uma trajetória de muito sucesso e conquistas. Durante 17 anos de carreira, ela conseguiu: dois campeonatos brasileiros (um em Fortaleza e outro em Joinville), dois sul americanos (no Paraguai e Chile). Ela conquistou medalha de bronze no Mundialito (campeonato internacional) no Ibirapuera, em 1998, evento que entrou para o Guinness Book como o maior campeonato de Karate-Do do mundo; com 2220 atletas, 20 kotos (área de competição), 180 árbitros e duração de dois dias. Campeã brasileira de kata (forma), 4ª colocada no Pan Americano da Califórnia (2000), 4° lugar no Mundial da Escócia (2001), 3° lugar em campeonato internacional no Ibirapuera (em comemoração ao Mundial da Escócia), 4° lugar no Mundial Brasil (2005), disputado em Fortaleza; três vezes campeã dos Jogos Regionais; campeã Mercosul em Foz do Iguaçu.

Luta dentro e fora dos tatames

Conciliar a prática de esportes com as dificuldades do dia a dia exige dedicação. Para quem pretende ser um atleta de alto rendimento, os sacrifícios e a correria são ainda maiores. Aline teve que “correr atrás” dos seus objetivos desde cedo em busca de melhorar cada vez mais suas próprias marcas.

“Muitas vezes eu corri sozinha! Cheguei a ir treinar em outras academias e pela dificuldade de suporte em Peruíbe, eu ia para algumas competições sozinha”, conta Aline.

Um dos pontos de conciliação que muitos atletas têm que lidar é entre esporte e estudos. Isto foi algo pelo qual Aline também teve que passar. Aos 16 anos (em 2003), passou a cursar Turismo na Unimonte, em Santos, onde se formou após três anos. Nesta época, passou a treinar na cidade santista, por não haver treinos em Peruíbe no período da tarde, e à noite ia para a faculdade.

A busca por patrocínio também sempre foi muito importante e se hoje existem programas de incentivo ao esporte, na época, a karateca teve que procurar ajuda por meio do setor privado. Viagens, hospedagem e gastos do tipo sempre foram pagos pelo patrocínio vindo de comércios e empresas. Como atleta, Aline defende que o papel da poder público é ajudar com boas instalações de treino e remuneração de professores, por haver muitas modalidades e isso dificultar o custeio de todos os atletas.

Aos 15 anos, foi pessoalmente na rede de supermercados Pão de Açúcar falar com o gerente. Ao chegar, teve que lidar com a insistência de uma funcionária que perguntava se ela estava ali para pedir emprego. Depois de se apresentar e expor sua situação, foi pedido que ela trouxesse por escrito tudo que era necessário e ao retornar conseguiu o patrocínio para disputar o Campeonato Brasileiro de Karate-Do.

“Eu sempre busquei muito! Ia de porta em porta nos comércios, me apresentava e falava sobre o karatê e fazia com que as pessoas me conhecessem! É o seu sonho, as pessoas têm que comprar ele.”, defende Aline.

História familiar

A base familiar costuma ser importante na formação pessoal de qualquer pessoa e assim também foi com Aline, cuja família tem raízes antigas em Peruíbe, onde nasceu. O avô, João Vitoriano, era pescador e fundou a colônia de pesca do município. A avó paterna, Dalila Marçal, cozinheira. O pai, José Carlos Gomes, é dono do restaurante mais antigo da cidade, A Ponte, aberto há 47 anos. O bisavô paterno, Benedito Marçal, foi um dos primeiros carroceiros em Peruíbe, responsável por levar as mercadorias que chegavam de trem até o comércio no Centro.

Os pais, José Carlos e Maria Inês, nunca se envolveram com o lado atleta da filha, deixando até de ver os treinos. A mãe só viu a filha ser campeã brasileira em Fortaleza enquanto o pai a viu ser campeã sul-americana, no Chile, porque só permitiria que ela viajasse se ele fosse junto. “Não é que eles não me incentivassem. Eles nunca me proibiram, esse era o jeito deles, mais reservados”, conta Aline.

Tendo competido pela última vez em 2010, a vontade de voltar aos kotos (áreas de competição) permanece desde então. O retorno ainda não aconteceu em razão da vida familiar e profissional da atleta. Por dois anos e sete meses, Aline esteve envolvida com o tratamento de câncer da mãe, que veio a falecer em abril de 2015 e três meses antes, o nascimento da filha. Na mesma época (2013 a 2015) foi nomeada diretora de esportes em Peruíbe.

Pós-acidente

A recuperação ficou a cargo do fisioterapeuta, Osvaldo de Almeida Júnior, que também é educador físico. Foram aplicados exercícios para simular dificuldades que ela poderia encontrar nos treinos: como uma irregularidade no tatame (piso onde são realizados os treinos). Era colocado um colchão mole no chão e Aline lutava nele, depois ia para a cama elástica para dar golpes enquanto pulava e, por fim, ia para prancha de fisioterapia adquirir concentração e estabilidade. Superando as expectativas, Aline se recuperou em 9 meses, competiu e foi novamente campeã. A medalha conquistada está pendurada junto ao diploma de fisioterapeuta de Almeida Júnior, no Centro Clínico.

Um acidente costuma deixar sequelas não apenas físicas, mas emocionais. No caso de Aline, ela teve que se preocupar com outro tipo de sequela: na reputação. Segundo testemunhas, o carro que provocou o acidente estava estacionado no local havia bastante tempo e, após a batida, o motorista jogou fora um pacote contendo drogas e fugiu. Os policiais que lidaram com a ocorrência perguntaram a ela se possuía alguma rixa com alguém ou algo do tipo, mas ela conseguiu esclarecer tudo rapidamente. Só mais tarde, enquanto fazia compras numa feira, uma pessoa conhecida trouxe novamente a tona o assunto, perguntando o suposto envolvimento de Aline com drogas.

"Nunca fumei um cigarro, nunca bebi ou usei drogas, não seria agora que iria começar", relembra Aline.

Foi a partir desse episódio que Aline decidiu trabalhar na Fundação Casa (antiga FEBEM), onde ocupou o cargo de agente educacional de 2009 a 2011. Lá, ela ministrou aulas de karatê no Projeto Educação e Cidadania (PEC), que incluíam orientações sobre saúde e a filosofia do esporte, além de treinos. Até hoje ela recebe convites da instituição para falar com os internos e palestra uma vez por ano.

“O mundo das drogas não prejudica somente o usuário, mas também quem não tem nada a ver com o assunto. O que eu queria mostrar para esses garotos é que eles não envolvem somente a família, mas também pessoas inocentes” esclarece Aline.

Nesta época, Aline conheceu o atual esposo, Osvaldo Rivelino Rosa Lemos, 44 anos, com quem começou a namorar em maio de 2011. Os dois trabalhavam em turnos diferentes, Aline no diurno e Osvaldo no noturno, e isso fazia com que não tivessem tempo para conversar. “O máximo de palavras que trocávamos era ‘bom dia’”, conta o marido. Dois anos depois, ele recebeu um convite para assumir o cargo de coordenador de equipe da Fundação Casa. “Fiz a prova, passei e, nessa época, ela havia acabado um namoro e eu também. Começamos a conversar e em um mês e meio já estávamos namorando”, lembra.

Osvaldo nunca viu a esposa competindo, por isso é um dos maiores incentivadores da volta de Aline aos campeonatos e também sonha que a filha, Larissa, de três anos, possa ver a mãe sendo campeã. “Admiro a força de vontade em tudo que ela faz. É uma grande mãe, guerreira, excelente esposa, amiga e namorada”, elogia.

Em latim, Marçal significa “guerreiro marcial” e assim como o sobrenome de seus antepassados, Aline luta a cada dia dentro e fora dos tatames jamais perdendo o espírito de atleta que a levou tão longe no esporte e na vida.

Em memória de Maria Inês da Silva Gomes, mãe da atleta, que faleceu em abril de 2015.

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